Aproveito o assunto da reprografia e das limitações para publicar aqui o excelente artigo da Prof. Vanisa Santiago, que me foi enviado pela mesma (com autorização para publicação), sobre o tema da cópia privada:
"O Direito de Autor e o Direito de Remuneração
O poder absoluto que o criador tem sobre sua obra é um dos elementos importantes do Direito de Autor, uma vez que compete a ele decidir sobre o destino de sua obra, autorizar ou proibir seu uso por terceiros, cobrar o preço que lhe parece adequado por esse uso ou renunciar a essa cobrança. Em virtude da atribuição de faculdades de dupla natureza, classificadas como direitos morais e patrimoniais, ficam assegurados aos autores, por um lado, direitos personalíssimos como os de paternidade e integridade e, por outro, o direito exclusivo de exploração de um bem móvel que é a obra intelectual, seja qual for a modalidade de utilização, existente ou por existir.
Apesar desse caráter absoluto, configurado como um verdadeiro monopólio de exploração instituído em favor do criador, o Direito de Autor está, não obstante, sujeito às restrições que as leis e os tratados internacionais estabelecem e que formam dois grupos básicos: o das limitações e o das exceções.
As limitações ao direito de autor são consagradas em disposições que tratam do uso livre e gratuito das obras, em certas situações, visando atender aos interesses da sociedade como um todo (acesso à informação, à educação e à cultura); às necessidades particulares de alguns segmentos da sociedade (causas humanitárias como a dos deficientes visuais); ou à liberdade de expressão (paródias e paráfrases). Consideradas como “pequenas reservas” pelo Convênio de Berna, também podem ser estabelecidas com relação a certas obras, como textos de normas legais, discursos proferidos em público e devem estar ordenadas por modalidade de utilização, sob a forma de limitações ao direito de reprodução, ao direito de comunicação pública, etc. A essas situações, em que o uso é livre e gratuito, soma-se a limitação temporal, que faculta ao autor o exercício de seus direitos por toda a sua vida e mais um período de tempo, após o qual as obras deixam o domínio privado e passam ao domínio público.
Já no campo das exceções encontramos as restrições que, embora dispensem a autorização dos titulares para a utilização da obra em questão, impõem ao usuário o pagamento de uma compensação pelo uso realizado, dando origem ao que denominamos “direito a uma simples remuneração” ou apenas “direito de remuneração”. Como típicos exemplos desse segundo grupo de restrições ao direito absoluto dos autores, encontramos o caso da assim denominada “cópia privada”, ausente de nossa legislação, e o do direito de seqüência, este sim, presente no Artigo 38 da Lei 9619/98, embora a nosso ver de maneira equivocada e omissa quanto aos mecanismos necessários ao seu exercício.
O sistema de remuneração pela cópia única para uso do copista, que resulta de uma limitação ao direito de reprodução, foi criado para compensar o fator acumulativo e multiplicador dessa limitação, que, com o avanço da tecnologia, se havia convertido em uma ofensa ao Artigo 9.2 do Convênio de Berna, conhecido como a “Regra dos três passos”. Criado na Alemanha em 1965 e introduzido paulatinamente na legislação dos países europeus, o sistema da cópia privada representa uma expressiva fonte de riqueza para o autor e para a própria indústria, funcionando por meio da fixação de um cânon compensatório pago pelos fabricantes de suportes (fitas, cds virgens e similares) e por meio do exercício obrigatório e conjunto, através de associações de gestão coletiva. Embora nossa legislação haja rejeitado a introdução da “cópia privada” em sua normativa, os autores brasileiros vêm, desde longa data, beneficiando-se da distribuição da remuneração cobrada em outros países, através dos contratos de representação intersocietários que suas organizações brasileiras firmam com as congêneres de outros países.
Já em outra ordem de idéias, e com diferente motivação, o recurso ao direito de remuneração está permitido aos legisladores nacionais como uma solução alternativa em certas situações, tais como a dos Artigos 11.bis.2 e 13.1 do Convênio de Berna sob a forma de “licenças não voluntárias”, presentes em várias legislações sob a forma de “licenças obrigatórias” ou de “licenças legais”, que podem ser estabelecidas apenas em dois casos: para as gravações de obras musicais e para o uso de obras pela radiodifusão - que não se confunde com a distribuição por cabo, à qual a licença não voluntária não se aplicaria.
Por seu caráter excepcional, as licenças não voluntárias são cogitadas quando certas condições especiais se apresentam, justificando a imposição de uma regulamentação autoritária: em geral em situações em que o desenvolvimento da tecnologia cria novas formas de utilização para as quais o direito exclusivo ainda não foi claramente definido ou delimitado; quando há risco de abuso de posição dominante ou monopólica (de parte do Estado ou de organização privada); ou quando resulta praticamente impossível o uso de métodos de autorização ou licenciamento individualizado para o uso das obras. Desnecessário dizer que a introdução de licenças não voluntárias na legislação nacional de um país depende de uma decisão interna e deve preservar intactos os direitos morais do autor. Essa matéria é objeto de detalhados esclarecimentos na publicação da OMPI “Guia do Convênio de Berna”, elaborado por Claude Masouyé. (1978)
Além dos casos específicos das licenças clássicas a que nos referimos, existem outras situações em que o direito a uma simples remuneração, do ponto de vista de suas origens e de seu papel nas políticas de direito de autor, não é utilizado como uma contrapartida às exceções ao direito exclusivo e sim como uma relevante forma de defesa dos interesses dos autores. Referimo-nos especialmente a certos direitos remanescentes ou “residuais”, como os denomina Mihály Ficsor em “A Gestão Coletiva do Direito de Autor e dos Direitos Conexos” (OMPI, 2002), constituídos pelos direitos de aluguel e empréstimo público, previstos nos novos Tratados da OMPI e incorporados por diversas legislações nacionais, e ainda pelos direitos reservados aos autores das obras audiovisuais, considerados irrenunciáveis e de gestão coletiva obrigatória segundo a Diretriz 92/100 da Comunidade Européia.
As disposições contidas nos Artigos 86 a 90 da lei espanhola vigente são claros exemplos de uma regulamentação de direitos “residuais”, destinados a proteger os interesses de autores de obras audiovisuais, assim considerados os diretores-realizadores, roteiristas, autores do argumento ou adaptação literários e aos compositores das obras especialmente elaboradas para a obra audiovisual, estabelecendo um direito de remuneração irrenunciável e intransferível subjacente às cessões legais ou voluntárias realizadas em favor de terceiros – em geral os produtores. Esse reconhecimento, que está também vigente em outros países com importante produção audiovisual como França, Itália, Alemanha, Austrália e Canadá, beneficia diretores do porte de Pedro Almodóvar, para citar um diretor espanhol conhecido do público brasileiro.
No caso das obras audiovisuais a lei espanhola cria, inclusive, algumas presunções de cessão em favor do produtor para ela possa realizar as cópias, distribuindo e comunicando publicamente a obra em formatos diferentes, autorizando sua tradução sob a forma de dublagem ou legendas, e promovendo, enfim, o produto a que deu origem.
Para a solução de alguns impasses, como os que podem existir no caso das obras audiovisuais, que contêm obras diversas, de diferentes colaboradores, o estabelecimento do direito de remuneração irrenunciável e intransferível por atos intervivos pode ser a melhor alternativa se consideramos que, com efeito, o produtor necessita estar seguro de que conta com os todos os direitos envolvidos para poder comercializar e distribuir a obra final, sem que isso implique em um prejuízo injustificado para os criadores.
Assim também nos casos do “droit de suíte”, da cópia privada e do direito de aluguel, essa tem sido a fórmula encontrada pelos mecanismos internacionais de proteção à propriedade imaterial para equilibrar os interesses e chegar a uma composição equitativa das forças que atuam na produção intelectual, e que são representadas pelo autor, pelas empresas que investem em cultura e pelo público em geral. No Brasil, talvez por desconhecimento dos aspectos positivos que, em certos casos, um simples direito de remuneração pode trazer aos criadores e aos que nele investem esforços e recursos, a legislação sobre direitos de autor e conexos tem passado ao largo de sua aceitação."
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
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